A Era do Technofeudalismo: Novos Players na Geopolítica e os Conflitos de Poder

A era digital está transformando não apenas a economia, mas também a dinâmica política global. A emergência do que Yanis Varoufakis denomina technofeudalism está revelando novos players no cenário da geopolítica, cuja influência já ultrapassa a das próprias nações soberanas. Gigantes tecnológicas como Meta, Google e X (antigo Twitter) estão assumindo papéis que antes pertenciam exclusivamente aos Estados, colocando em cheque tanto a soberania nacional quanto a existência de princípios democráticos nas entidades do governo local.

Recentes declarações de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, ilustram esse fenômeno. Ao anunciar o fim da checagem independente de fatos no Facebook e no Instagram, substituindo-a pelo sistema de “notas da comunidade”, Zuckerberg afirmou que países latino-americanos possuem “tribunais secretos” que censuram conteúdos online. Embora o discurso seja apresentado sob o manto da liberdade de expressão, há claros interesses econômicos e políticos em jogo. A Meta, assim como outras gigantes tecnológicas, busca consolidar seu domínio como arbitro global da comunicação, enfraquecendo regulações locais e governanças democráticas que desafiem seu poder.

Essa narrativa, que aparenta defender direitos individuais, esconde uma estratégia para maximizar lucros e manter monopólios. No coração dessa estratégia está o deslocamento do trabalho e da responsabilidade de moderação de conteúdo para os usuários, característico da gig economy. Ao mesmo tempo, os governos são colocados em situações de tensão, como ocorreu com Cortes de Justiça no Brasil que, segundo alguns reporteres, tendo sido implicitamente enquadrado nessas supostas “cortes secretas” ditas por Zuckerberg. Isso não apenas deslegitima instituições democráticas, mas também alimenta discursos polarizadores que enfraquecem as bases da sociedade civil.

Sob o ponto de vista do technofeudalism, o comportamento dessas corporações reflete o controle centralizado de “senhores digitais” sobre territórios virtuais. As plataformas tecnológicas não são apenas ferramentas; tornaram-se infraestruturas essenciais, comparáveis a estados-nação em termos de poder. Elas ditam regras, definem quais vozes são amplificadas e quais são silenciadas, e ainda escapam de responsabilização legal que seria imposta a qualquer instituição democrática.

Liberdade ou Interesse Corporativo?

O discurso de liberdade promovido por Zuckerberg, Elon Musk e outros líderes tecnológicos também traz implicações globais mais profundas. Ao criticar regulações europeias e latino-americanas como censura, essas corporações alinham-se a governos que as apoiam, como o de Donald Trump nos EUA, para proteger seus interesses. A liberdade que alegam defender, na verdade, mascara o interesse em evitar regulações que limitem seu poder de mercado ou demandem maior transparência e responsabilidade.

Mas aqui surge uma questão essencial: quem realmente está defendendo a bandeira da liberdade? Seriam as gigantes tecnológicas, que buscam maior controle, adequação e aceitação de suas políticas internas e privadas? Ou seria o Estado, que possui interesses políticos ameaçados pelas decisões privadas dessas corporações, que, ao desafiarem regulações, parecem querer romper a hierarquia estatal? A tensão é amplificada porque tanto as Gig defendem princípios democráticos quanto as cartas constitucionais e instituições locais o fazem. No entanto, vemos interpretações divergentes desses princípios que antes eram claros e agora entram em conflito.

Essa postura cria uma pressão sobre os Estados democráticos: precisam escolher entre proteger a soberania nacional ou ceder às demandas das Big Techs para evitar conflitos com potências econômicas e geopolíticas. No Brasil, as reações políticas às mudanças da Meta ilustram essa dicotomia: enquanto a esquerda critica o impacto sobre a desinformação e o enfraquecimento institucional, setores da direita celebram o movimento como um triunfo da liberdade de expressão.

Impacto na Qualidade Democrática

O mais preocupante é como essa dinâmica afeta os princípios democráticos. Governos locais, especialmente em países em desenvolvimento, já enfrentam desafios significativos para proteger seus sistemas democráticos contra fake news e polarização. A retirada de mecanismos de moderação rigorosos pelas plataformas, combinada com a narrativa de que essas medidas são censura, amplia o espaço para discursos nocivos e ataques a direitos fundamentais.

Enquanto isso, a concentração de poder nas mãos dessas corporações cria um desequilíbrio em que o controle do ambiente digital fica fora do alcance de governos e sociedades. As vozes de minorias, frequentemente alvo de desinformação e discurso de ódio, são as primeiras a serem impactadas, expondo as fragilidades de sistemas que dependem da “autocorreção” dos usuários.

Uma Resposta Necessária

Em resposta a essa dinâmica, governos precisam fortalecer regulações que promovam transparência e responsabilidade para plataformas digitais. Isso inclui:

  • Implementar políticas que exijam moderação eficaz e respeitem direitos fundamentais.
  • Fomentar infraestrutura digital local para reduzir a dependência de Big Techs.
  • Estabelecer cooperação internacional para enfrentar os desafios globais do technofeudalism.

As plataformas tecnológicas estão moldando a geopolítica, mas cabe aos Estados e à sociedade civil garantir que os princípios democráticos não sejam sacrificados no processo. Sem uma resposta clara e coordenada, a dinâmica do technofeudalism poderá enfraquecer as bases da democracia e a consolidar um futuro onde corporações extrangeiras são os novos soberanos da comunicação de um país.

Leave a comment