Reflexões Inspiradas no Artigo de William Douglas

O artigo “O Complexo de Jedi e o Neopatrimonialismo no Direito”, de autoria do Dr. William Douglas, publicado recentemente no portal Migalhas (15/01/2025), traz à tona uma discussão essencial sobre o papel do Judiciário e os limites do ativismo judicial em um Estado democrático. A obra critica o uso excessivo de “princípios-coringa”, que, embora bem-intencionados, podem comprometer a segurança jurídica, os valores democráticos e a separação dos poderes.
Douglas alerta para os perigos de um Judiciário que, por vezes, atua como legislador, ultrapassando os limites constitucionais e desrespeitando a soberania do Legislativo. Essa reflexão é especialmente relevante no contexto brasileiro, onde, embora de forma rara, o Judiciário tem assumido o papel de “legislador positivo”, decidindo questões de políticas públicas e interpretando de forma extensiva os direitos fundamentais.
Um exemplo citado por Douglas que ilustra bem essa questão é o caso da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal no Acre, que pedia a extinção do marcador “sexo” em documentos pessoais, a unificação do nome social e civil, e o pagamento de indenizações à população trans. Embora a causa trate de um tema relevante, Douglas aponta que decidir sobre registros públicos é uma competência clara do Legislativo. Ao aceitar ações como essa, o Judiciário estaria invadindo a esfera de outro poder, comprometendo o equilíbrio institucional.
Ao analisarmos essa questão sob uma perspectiva comparativa, o sistema jurídico do Reino Unido apresenta um interessante contraponto. No Reino Unido, a revisão judicial é profundamente ancorada no princípio da soberania parlamentar, que limita a atuação judicial em relação às leis aprovadas pelo Parlamento. Diferentemente do Brasil, onde o Judiciário pode declarar leis inconstitucionais, os tribunais britânicos não podem invalidar legislações; sua função é interpretá-las em conformidade com princípios estabelecidos, como os previstos no Human Rights Act de 1998 e na Convenção Europeia de Direitos Humanos (ECHR).
Casos emblemáticos, como R (Jackson) v Attorney General [2005] e R (Miller) v Secretary of State for Exiting the European Union [2017], exemplificam como o Judiciário britânico respeita a supremacia parlamentar enquanto protege direitos fundamentais.
Por outro lado, no Brasil, o Judiciário ocasionalmente adota uma postura mais intervencionista, justificando decisões com base em princípios amplos, como a dignidade da pessoa humana, mesmo quando isso implica derrotar (derrogação ou defeasibility) um texto normativo devidamente aprovado pelo Congresso Nacional. Essa prática, embora não seja a regra geral, mas a exceção, dado que o Brasil é um país com sistema jurídico predominantemente codificado, reflete o que William Douglas descreve como o uso de “princípios-coringa”. Segundo ele, tais princípios devem ser aplicados com extrema cautela para evitar excessos judiciais e a perda de confiança nos sistemas constitucionais.
Enquanto o Judiciário brasileiro atua como um “freio” à legislação, o Reino Unido adota a contenção judicial, preservando as leis como a expressão máxima da vontade democrática. Essa postura reflete o compromisso britânico em respeitar os processos democráticos como manifestação do poder dos representantes eleitos, protegendo a segurança jurídica e mantendo a confiança pública.
Na prática, acredito que o sistema ideal deve buscar o equilíbrio, protegendo as liberdades individuais sem comprometer os pilares da democracia representativa.
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