Muito Além da Desconsideração: O REsp 2.072.206/STJ e o Novo Horizonte da Sucumbência

Por Felipe Issa Aires Merhi, advogado especialista em Processo Civil Brasileiro

O julgamento do REsp 2.072.206/SP, recentemente proferido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), marca mais do que um novo capítulo na jurisprudência sobre o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ). Ele representa uma guinada paradigmática na interpretação do artigo 85, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, com impactos que extrapolam o caso concreto e abrem um leque de discussões altamente relevantes para a advocacia e para o próprio desenho do processo civil contemporâneo.

Até então, predominava – inclusive em precedentes do próprio STJ – o entendimento de que o rol de hipóteses do § 1º do art. 85 do CPC seria taxativo, o que levava à exclusão de diversas situações de litigância real do regime da sucumbência. Essa linha interpretativa, embora respaldada por cautela institucional, resultava em uma dissonância prática: o advogado se via compelido a atuar com zelo, técnica e risco – inclusive para terceiros incluídos de forma temerária no polo passivo de demandas – sem a correspondente proteção remuneratória.

É justamente esse descompasso que o STJ corrige no REsp 2.072.206/SP. Ao reconhecer que o pedido de desconsideração, mesmo sob a forma de incidente, possui estrutura e efeitos de uma demanda autônoma – com partes, causa de pedir, pedido e produção de coisa julgada material –, a Corte afirma a presença de uma pretensão resistida e a ocorrência de litigiosidade efetiva. E mais: a atuação técnica do advogado, exigida e efetivamente exercida, é condição suficiente para legitimar a incidência da verba sucumbencial.

O ponto nuclear, no entanto, está no reconhecimento de que o § 1º do art. 85 do CPC não contém um rol taxativo, mas exemplificativo. Essa distinção, embora sutil na forma, é profundamente transformadora na substância. Se há litigiosidade real e efetiva atuação advocatícia, não há motivo jurídico que justifique a exclusão da sucumbência. Esse é o novo critério afirmado pelo STJ, com base na hermenêutica do princípio da causalidade e na função remuneratória da verba honorária.

Essa ratio decidendi é de alcance muito mais amplo do que o IDPJ. Em tese, procedimentos e incidentes que até então eram negligenciados quanto à fixação de honorários – como a exclusão de litisconsortes, impugnações incidentais, incidentes de falsidade, pedidos de assistência, entre outros – passam a merecer nova análise, desde que preenchido o critério ora fixado: litigiosidade objetiva e esforço advocatício real.

Por isso, o julgamento deve ser lido não apenas como um precedente técnico, mas como um convite à reflexão sobre a função dos honorários advocatícios na ordem jurídica atual. A remuneração do advogado não é um apêndice do processo, mas parte essencial da própria garantia do contraditório, da paridade de armas e da boa-fé processual. Subtrair o direito à sucumbência em hipóteses onde houve embate real é, em última análise, subverter o equilíbrio do jogo processual.

Importa, neste momento, que a comunidade jurídica – especialmente os tribunais, seccionais da OAB e juristas processualistas – estabeleça parâmetros claros para aplicação desse novo entendimento. Sem isso, corre-se o risco de que o critério da “litigiosidade real e atuação efetiva” se torne casuístico e imprevisível. O que se espera é justamente o contrário: segurança jurídica, previsibilidade e valorização da advocacia.

O julgamento do REsp 2.072.206/SP não é um ponto de chegada, mas um ponto de partida. É hora de pensar o processo como ele é: uma arena onde cada ato litigioso com pretensão resistida deve ser tratado com coerência técnica – inclusive na fixação da verba honorária. Ao que parece, o STJ, por fim, reconheceu esse caminho.